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JardimTerapia: a luta de uma comunidade do Guará para transformar abandono em vida

Entre as quadras QE30 e QE32 do Guará II, na altura do Conjunto E, floresceu um espaço de resistência, cuidado e esperança. O JardimTerapia, idealizado e mantido por moradoras da região é mais do que um jardim comunitário — é um testemunho da força do afeto diante do descaso.

O terreno, anteriormente tomado pelo mato alto, entulho e lixo, era conhecido como um ponto de insegurança. À noite, tornava-se local de consumo de drogas e abrigo improvisado para pessoas em situação de vulnerabilidade. Foi nesse cenário que Dulce Maria, moradora da região há mais de 30 anos, movida pelo amor às plantas, decidiu agir. Plantou três mudas de palmeira imperial. Dois dias depois, foram roubadas. A frustração a fez recuar por dois meses, mas a paixão falou mais alto: voltou a plantar. Sozinha no início, ganhou com o tempo a companhia de três vizinhas: Dona Odete, da QE30, Marisa e Áurea, da QE32. Até hoje, são as únicas colaboradoras fixas do projeto.

Inspirada por sua rotina como ciclista, Dulce enfeitou o jardim com bicicletas recicladas e até um pneu de trator. O espaço, cuidadosamente embelezado, passou a chamar a atenção de quem passava. Muitos ciclistas, identificados com a proposta, paravam para tirar fotos. 

Até dezembro de 2024, o JardimTerapia abrigava um limoeiro com mais de 10 anos de produção, pés de acerola, mamão e jenipapo, um jacarandá-roxo em plena floração, um pau-brasil firme e majestoso, diversas plantas floridas como hibiscos, uma hortinha com couve, mostarda, salsinha, cebolinha e coentro, além de plantas medicinais usadas para chás. Infelizmente, tanto a horta quanto o canteiro de medicinais tiveram que ser desativados, pois visitantes arrancavam plantas pela raiz, comprometendo o uso coletivo e sustentável do espaço.

Nem tudo são flores nesse Jardim



O maior golpe, no entanto, não veio de vandalismo ou descaso popular, mas sim das obras do governo, que ignoraram completamente a existência e o valor comunitário do JardimTerapia. As intervenções arrancaram árvores, flores e toda a grama. Derrubaram a pequena cerca que delimitava o espaço, nivelaram mal o solo, deixaram buracos e espalharam entulho e areia. Com o solo exposto e batido, bastam algumas chuvas para o local virar um lamaçal. Poucas árvores resistiram. As que ainda estão de pé sobrevivem como testemunhas silenciosas de anos de dedicação popular que foram literalmente arrancados pela força das máquinas.


Apesar do desânimo, Dulce se reergueu. Recebeu doações de mudas dos familiares e começou a investir em hibiscos, plantas resistentes à seca, de baixo custo de manutenção e com floração contínua. Hoje, com recursos próprios, ela mantém um jardineiro que visita o local duas vezes por mês — serviço que custa R$ 280,00, fora a retirada de entulho. Toda a água usada para irrigação vem de sua residência, o que aumenta significativamente os custos, sobretudo no período de estiagem. Ela já tentou, sem sucesso, conseguir uma ligação de água exclusiva para o jardim junto à Caesb e à Administração Regional do Guará, mas até hoje, a resposta foi o silêncio.

As necessidades para a manutenção e retomada do JardimTerapia são inúmeras, mas bem definidas: dois caminhões de terra para nivelar o solo; adubo mensal para as plantas; replantio de grama; terraplanagem básica; apoio do SLU com capina quinzenal e varrição; reinstalação das "amarelinhas" nas calçadas e brinquedos infantis; campanhas educativas para que moradores não arranquem plantas nem deixem seus animais danificarem as mudas; e presença de policiamento noturno, para garantir segurança. Com esse apoio, seria possível retomar o uso coletivo do espaço, com as mesinhas e balanços para as crianças, que antes traziam tanta vida à área.

Dulce não esconde a frustração ao afirmar que a administração, o governo, nenhuma entidade pública ajuda. Segundo ela, por mais que se peça, por mais que se implore, ninguém ajuda. O lixo, constantemente descartado por moradores e até por pessoas de fora, é retirado por Dulce e suas três vizinhas. Elas instalaram bancos, mesinhas, criaram espaços de convivência. Mas tudo precisou ser retirado diante da ocupação por usuários de drogas, bêbados e até famílias que, sem respeitar o coletivo, levavam objetos ou destruíam o que era público. Para ela, falar em espaço público é muito fácil, mas concretizar isso, ela diz com toda certeza: é quase impossível.

Uma história de flores que resistem


O JardimTerapia é um símbolo de resistência silenciosa. De um lado, um Estado ausente, que destrói mais do que ajuda. De outro, uma moradora que há mais de três décadas acredita que plantar é um ato de fé no futuro. Você pode acompanhar essa trajetória e apoiar a causa acessando o Instagram @jardimterapi_   Ali estão registros vivos de um espaço que, mesmo parcialmente destruído, insiste em florescer.

Comentários

  1. Anônimo5/6/25 22:30

    Acho lindo o Jardim Terapia!

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  2. Anônimo5/6/25 22:33

    Hilda Guará 2DF Acho lindo o Jardim Terapia.

    ResponderExcluir
  3. Anônimo6/6/25 08:17

    Passei por lá quando fui visitar uma amiga. Achei mágico. Terapêutico mesmo.

    ResponderExcluir

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