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Biblioteca interditada há 8 anos escancara apagamento cultural no Guará

Na Praça da QE 1 do Lúcio Costa, no Guará, repousa um símbolo de luta comunitária interditado há quase uma década: o Espaço Cultural Monteiro Lobato (ECML). O local, que já foi reduto de atividades educativas, oficinas, eventos e ações solidárias, está fechado desde 2016 por ordem da Administração Regional do Guará — sem laudo técnico, sem ofício formal e sem qualquer diálogo transparente com a população.

Construído com recursos da própria comunidade, o espaço teve sua gestão negada pela atual gestão da Administração mesmo após seguidos esforços da Associação de Moradores do Lúcio Costa (Ampluc) para regularizar sua situação. A história do ECML expõe o descompromisso do Estado com a cultura popular e escancara o desmonte sistemático de iniciativas comunitárias autônomas no Distrito Federal.

O ECML foi inaugurado em 2012 com estrutura erguida pela Ampluc sem verba pública — apenas com doações de moradores, comerciantes e mão de obra voluntária. Em seus quatro anos de funcionamento, abrigou uma rica programação: sala de leitura para crianças e adolescentes, cursos de pintura, rodas de leitura, oficinas, reuniões de condomínio, palestras de saúde e bem-estar, almoços beneficentes e ações do Programa Mala do Livro, do Governo do Distrito Federal.

Mesmo sendo um modelo de iniciativa cidadã em benefício direto da comunidade do Lúcio Costa, o espaço foi interditado em 2016 por decisão unilateral da Administração Regional, sob gestão indicada pelo gabinete do deputado distrital Rodrigo Delmasso. A Ampluc nunca foi notificada oficialmente — apenas comunicada informalmente do fechamento.

Desde o fechamento, a comunidade foi impedida de usar um equipamento que ela mesma criou, mas não deixou de cuidar dele. Voluntários da Ampluc têm garantido a limpeza e conservação da fachada, evitando o avanço da degradação e coibindo possíveis invasões por grupos com interesses escusos.

Comunidade clama pela reabertura do Espaço

A reabertura do ECML é uma demanda legítima da comunidade. Nos tiraram um espaço que é nosso por direito, sem nos ouvir, sem respeito à nossa história. Isso é um ataque direto à cultura construída de baixo pra cima”, afirma Patrícia Calazans, presidente da Ampluc. “A nossa luta é por dignidade, por memória, por respeito.”

Para tentar reabrir o espaço, a Ampluc protocolou uma proposta de adoção pelo Programa Adote uma Praça, previsto no Decreto 41.335/2020. O primeiro processo foi encerrado sem êxito, e um novo foi aberto em 2023 (SEI 00137-00000633/2023-77), sob orientação da Assessoria Técnica da Administração do Guará (ASTEC). Mesmo com todo o histórico de atividades, e após trâmite moroso que contou com o conhecimento do Conselho de Cultura do Guará, o pedido foi negado.

Em vez de apoio, a resposta da ASTEC foi uma notificação de desocupação imediata do espaço, ignorando os 37 anos de atuação séria, transparente e voluntária da Ampluc. Durante todo o processo, a associação não foi intimada a apresentar esclarecimentos adicionais, nem teve acesso externo aos autos na íntegra.


Com o local sem energia elétrica e impedido de funcionar, a Ampluc tomou a decisão de doar o acervo da biblioteca para o projeto Mala do Livro, que atua com ações de leitura e alfabetização junto a crianças indígenas e quilombolas. “Já que nos impediram de usar o espaço, decidimos que os livros continuariam servindo à transformação de vidas em outras frentes”, explica Patrícia.

O Conselho Regional de Cultura do Guará, gestão 2024-2026, foi informado sobre todo o processo, mas permaneceu omisso, segundo a Ampluc. O silêncio dos representantes culturais do território agrava o sentimento de abandono por parte da população local, que vê iniciativas burocráticas e desconectadas da realidade sendo priorizadas em detrimento de projetos autênticos e de baixo custo, como o ECML.

A interdição do Espaço Cultural Monteiro Lobato vai além da perda física de um prédio. É a materialização do apagamento da cultura comunitária no Guará. Um projeto autônomo, democrático, com impactos reais na vida dos moradores foi descartado por burocracias opacas e decisões arbitrárias.

A comunidade exige:a revogação da ordem de desocupação e a reabertura imediata do espaço; a regularização legal da gestão do ECML pela Ampluc, com apoio técnico da administração; um pedido de desculpas público por parte da Administração Regional; a revisão do papel do Conselho de Cultura do Guará, frente à sua omissão em um caso tão grave.

Em um cenário de descaso crescente com a cultura periférica, o caso do ECML é um grito por justiça e por memória. Enquanto o prédio permanece fechado, a comunidade mantém viva a esperança — e a determinação — de reaver o que é seu por direito.

O que está lacrado não são apenas paredes de tijolo, mas a própria voz de toda uma comunidade que decidiu se organizar, construir e resistir.


O que diz o Conselho Regional de Cultura

O Conselho Regional de Cultura do Guará, por meio da sua presidenta Lola (Lígia Vanessa), informou que a pauta referente à situação do Espaço Cultural Monteiro Lobato (ECML) será incluída na próxima reunião ordinária do Colegiado, marcada para o dia 5 de junho de 2025.

A presidenta do Conselho, Lola, já apresentou a demanda ao Comitê de Cultura do Distrito Federal para que seja contemplada na Carta de Reivindicações do grupo, destacando a importância da descentralização de espaços culturais com biblioteca, sobretudo em regiões como o Setor Lúcio Costa, que carecem de equipamentos públicos de leitura.

O Conselho também planeja realizar uma visita técnica ao ECML, após a reunião ordinária, como etapa inicial para o debate e encaminhamento de possíveis ações voltadas à reativação do espaço e à valorização da cultura comunitária no  Guará.

Nossa reportagem entrou em contato com a Administração Regional do Guará, por meio de sua Assessoria de Comunicação,  buscando esclarecimentos sobre a situação do Espaço. No entanto, até o fechamento desta matéria, não obtivemos retorno.

Comentários

  1. Entendo que sempre haverá espaço para que está situação seja revestida em favor da comunidade que não pode perder esse território de Cultura e Lazer que como bem disse a Presidente da Associação de Moradores, Patrícia Calazans " O Poder público de forma Monocrática retirou de nossa Comunidade esse Equipamento que até o seu fechamento atendeu com Seriedade Atividades Sócias e Culturais sem custo a toda nossa População do Lucio Costa,Setor de Chácaras e todo o Guará.eq

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