Edital de chamamento é alvo de críticas por falhas de transparência, exclusão cultural e desrespeito à legislação
O projeto Circula Cultura – Etapa Guará, previsto para acontecer nos dias 02,03 e 04 de maio, na Praça da Moda, promovido pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC) em parceria com o Instituto Acolher, deveria ser uma oportunidade de valorização da produção artística local durante o aniversário da cidade. No entanto, o que era para ser uma ação celebratória se converteu em motivo de indignação entre artistas e agentes culturais do Guará.
Com divulgação tardia, falhas no sistema de inscrições, ausência de previsão de recurso e critérios vagos de seleção, o edital foi amplamente questionado por não assegurar os princípios de democracia cultural, equidade e controle social, previstos na Lei Orgânica da Cultura do Distrito Federal (LOC/DF – Lei Complementar nº 934/2017).
Divulgação ineficiente e prazo insuficiente
Uma das principais críticas ao edital é a falta de publicidade adequada. A ampla divulgação só ocorreu no último dia de inscrições, restringindo o tempo hábil para que artistas tomassem conhecimento da oportunidade. Mesmo após pressão da sociedade civil, a prorrogação do prazo foi mínima: apenas dois dias a mais.
Além disso, o curto período se mostrou incompatível com a quantidade de documentos exigidos, o que acabou inviabilizando a inscrição de muitos interessados. Artistas relataram, inclusive com registros em print, que o sistema apresentou erros técnicos, impedindo o envio das propostas mesmo dentro do prazo estipulado.
Restrições de formato e exclusão de linguagens
Apesar da ampla diversidade cultural do Guará — reconhecida por sua cena ativa em dança, teatro, cultura popular, artes visuais, poesia, capoeira, circo e outras expressões —, o edital foi restritivo, contemplando apenas bandas e DJs. O recorte gerou críticas por ignorar grande parte da produção artística da cidade, deixando de fora coletivos e linguagens que tradicionalmente movimentam os territórios culturais do DF.
Curadoria centralizada e critérios genéricos
Outro ponto questionado foi o modelo de seleção adotado, que conferiu a responsabilidade da escolha a um único curador indicado pela organização executora, sem formação de comissão plural, critérios técnicos transparentes ou participação da sociedade civil. Além disso, os critérios utilizados foram descritos de maneira vaga e subjetiva, dificultando a compreensão sobre o processo de avaliação e comprometendo a isonomia entre os candidatos, e principalmente não garantido a participação de artistas da cidade, foco e objetivo do projeto. Inclusive com interferência da Administração Regional do Guará e da Comissão Organizadora do Aniversário da cidade, o que não estava previsto no edital.
Ausência de recursos e conflito de interesses
O edital também falhou ao não prever etapa de recursos, impedindo a revisão de eventuais erros, o exercício do contraditório e o controle social. O resultado foi publicado sem a devida antecedência legal, descumprindo o prazo máximo de 48 horas previsto para a sua divulgação.
Para agravar o cenário, houve denúncia de que **um integrante da Comissão Organizadora do Aniversário da Cidade foi contemplado como artista selecionado, levantando suspeitas de conflito de interesses e favorecimento, o que infringe os princípios da impessoalidade e moralidade da administração pública.
Falta de equidade e diversidade
A composição dos selecionados também evidenciou desequilíbrio de gênero, com baixa representação de mulheres e ausência de representatividade LGBTQIA+ ou de outros grupos historicamente marginalizados. Essa omissão viola o princípio da equidade previsto na LOC/DF e representa um retrocesso na luta por uma política cultural inclusiva e plural.
Descumprimento legal
Diante do cenário descrito, há indícios de violação de diversas normas legais e princípios constitucionais, entre elas: Lei Orgânica da Cultura do DF (Lei Complementar nº 934/2017)** – Artigos 2º, 14 e 19: transparência, participação social, impessoalidade, equidade, pluralidade de linguagens e controle social; Decreto nº 38.933/2018 – Que regulamenta os instrumentos de fomento cultural no DF; Lei Federal nº 8.666/1993 – Princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade; Princípios constitucionais da administração pública – Art. 37 da Constituição Federal.
Uma oportunidade perdida
O Circula Cultura chegou ao Guará como promessa de valorização da cultura local, mas acabou sendo percebido por muitos como um presente de grego: um projeto que excluiu expressões artísticas importantes, dificultou a participação popular e levantou sérias dúvidas sobre sua condução.
Para uma cidade reconhecida por sua efervescência cultural e pelo engajamento de seus artistas, o processo seletivo representou mais um obstáculo do que uma celebração. O episódio escancara a urgência de revisar os modelos de fomento e os critérios de participação nos projetos culturais do DF, reafirmando a necessidade de uma política pública mais inclusiva, democrática e coerente com a diversidade dos territórios culturais do Distrito Federal.
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